sábado, 15 de agosto de 2009

Os gêneros

(Simone de Beauvoir)
trechos do livro O Segundo Sexo - volume II


"O que torna relativamente fácil o início do rapaz na existência é que sua vocação de ser humano não contraria a de macho: já sua infância anuncia esse destino feliz. É realizando-se como independência e liberdade que ele adquire seu valor e concomitantemente seu prestígio viril."


"A mulher pensará em sua aparência física, no homem, no amor: não dará senão o estritamente necessário ao seus estudos, à sua carreira. Forma-se um círculo vicioso: espantamo-nos muitas vezes, ao ver com que facilidade uma mulher pode abandonar a música, os estudos, a profissão logo que encontra um marido; é que empenhara demasiado pouco de si mesma em seus projetos para descobrir grande proveito na realização deles. Tudo contribui para frear sua ambição pessoal, enquanto uma enorme pressão social a convida a encontrar uma posição social no casamento, uma justificação. É natural que não procure criar por si mesma seu lugar neste mundo, ou que só o faça timidamente."


"Só há verdadeira maturidade sexual na mulher que consente em se fazer carne na comoção e no prazer."


"Muitas vezes, durante os primeiros anos, a mulher cultiva ilusões, tenta admirar incondicionalmente o marido, amá-lo sem restrições, sentir-se indispensável à ele e aos filhos; depois, seus verdadeiros sentimentos se revelam; percebe que o marido poderia viver sem ela, que os filhos são feitos para se desprenderem dela: são sempre mais ou menos ingratos. O lar não a protege mais contra sua liberdade vazia; reencontra-se solitária, abandonada, um objeto; não sabe o que fazer de si mesma."


"É um engano ainda mais decepcionante do que sonhar em alcançar, pelo filho, uma plenitude, um calor, um valor que não se soube criar por si mesmo; o casamento só dá alegria à uma mulher capaz de querer desinteressadamente a felicidade de outro, àquela que, sem se voltar para si mesma, busca uma superação de sua própria existência."


"Para o homem, nem a elegância nem a beleza consistem em se constituir em objeto; por isso não considera, normalmente, sua aparência como reflexo de seu ser. Ao contrário, a própria sociedade pede à mulher que se faça objeto erótico. O objetivo das modas, às quais está escravizada, não é revelá-la como um indivíduo autônomo, mas ao contrário, privá-la de sua transcendência para oferecê-la como uma presa aos desejos masculinos; não se procura servir seus projetos, mas, entravá-los."


"É muito difícil à uma mulher agir como uma igual ao homem quando essa igualdade não está universalmente reconhecida e concretamente realizada."


"O homem também se interessa pelo dinheiro, pelo êxito: mas tem os meios de conquistá-los pelo trabalho; à mulher assinalaram um papel de parasita: todo parasita é necessariamente um explorador; ela precisa do homem para adquirir dignidade humana, para comer, gozar, procriar; é através dos serviços que presta com o sexo que assegura as generosidades masculinas; e como a encerram nessa função, ela se transforma inteiramente num instrumento de exploração."


"Sua atitude em relação ao homem é demasiado ambivalente. Este é, com efeito, uma criança, um corpo contingente e vulnerável, um ingênuo, um tirano mesquinho, um egoísta: mas é também o herói libertador, a divindade que distribui valores. Quando uma mulher diz com êxtase: “É um homem!” evoca ao mesmo tempo o vigor sexual e a eficiência social do macho que admira: em uma e outra coisa se exprime a mesma soberania criadora; ela não imagina que ele seja um grande artista, um grande homem de negócios, um general, um chefe sem ser um amante vigoroso; os êxitos sociais dele têm sempre uma atração sexual."


"E compreende-se por que todas as comparações com que se esforçam por decidir se a mulher é superior, inferior ou igual ao homem são inúteis: as situações são profundamente diferentes. Confrontando-se tais situações, faz-se evidente que a do homem é infinitamente preferível, isto é, ele tem muito mais possibilidades concretas de projetar sua liberdade no mundo; disso resulta necessariamente que as realizações masculinas são de longe mais importantes que as das mulheres; à estas é quase proibido fazer alguma coisa."


"Reconhecendo-se mutuamente como sujeito, cada um permanecerá, entretanto um outro para o outro. Quando for abolida a escravidão de uma metade da humanidade e todo o sistema de hipocrisia em que implica, que a “seção” da humanidade revelará sua significação autêntica e que o casal humano encontrará sua forma verdadeira."


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